No último dia 21 de janeiro de 2024, deparei com a postagem de uma ex-colega de faculdade, que lembrava os 40 anos de graduação em Arquitetura. Memorável a data, o local – Museu de Arte Sacra da Bahia, porém as personagens se perderam no tempo e no espaço.
Hoje, paro pra lembrar da trajetória profissional, quantas experiências surpreendentes e escolhas nem sempre tão conscientes, mas que pavimentaram minha jornada até hoje. Pra começar, poucos anos após a graduação, o destino me conduziu ao que seria o carro-chefe da minha caminhada: o curso de especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho.
Diante de um público predominantemente masculino de Engenheiros, estava eu, Arquiteta, encarando disciplinas que fugiam aos conceitos básicos relativos ao meu curso de graduação, mas nem por isso eu deixava de pedir explicações aos docentes, para atingir a compreensão do tema. Após as 610 horas/aula, entendi a importância daquele curso, que me abriu os horizontes em relação às inúmeras possibilidades que a profissão poderia proporcionar. Naquele momento, minha veia de engenheira assumiu meu escopo profissional. Lidar com normas técnicas e leis sempre me colocava num lugar de conforto, sem as subjetividades que a Arquitetura impunha.
Surpreendentemente, após a conclusão do curso, surgiram oportunidades para atuar como Perito Assistente em algumas ações trabalhistas que envolviam a insalubridade e a periculosidade. Passei a pesquisar mais sobre o tema, visitando com frequência a biblioteca da FUNDACENTRO – Fundação Jorge Duprat e Figueiredo, referência sobre segurança e saúde do trabalhador. Vale ressaltar que a internet estava dando seus passos iniciais, de forma que não havia a facilidade que temos hoje de sentar diante de um computador e encontrar qualquer informação com o toque de um teclado. Pesquisas acadêmicas em faculdades de química, física, além da FUNDACENTRO e das visitas de campo nas empresas para o reconhecimento dos “paradigmas” do trabalhador reclamante, forneciam os insumos para a elaboração dos laudos técnicos. Bons e ricos tempos!
Outra escola foi a Prefeitura de Salvador, onde atuei por 26 anos em alguns órgãos. Passei pelo Setor de Segurança do Trabalho da Prefeitura, vinculado à Junta Médica Pericial, onde tentei implantar um SESMT local, em função das peculiaridades das atividades laborativas dos servidores municipais (por exemplo, atuação no interior de valas de drenagem contaminadas, operações em usina de asfalto municipal, a insalubridade aos agentes de saúde, dentre outras atividades, demandavam acompanhamento, regulamentação e definição de adicionais por insalubridade ou periculosidade). Outra razão de destaque é que o regime jurídico único implantado na Prefeitura em 1991, isentava os gestores públicos de cumprirem os direitos trabalhistas ao funcionalismo público (sob o regime estatutário), pois se viam isentos da obrigatoriedade de cumprimento das prescrições legais da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, deixando os trabalhadores municipais vulneráveis. Para minha alegria, somente em 2023, sob a perseverante batalha do meu sucessor no cargo, o Serviço de Segurança e Medicina do Trabalho da Prefeitura de Salvador foi finalmente regulamentado.
Em 1995, migrei para a CODESAL – Coordenação de Defesa Civil do Município, permanecendo por sete anos de muitos desafios e aprendizados. Atuei como Vistoriadora, como Chefe do Setor de Ações Preventivas e como Plantonista. Aprendi a lidar com situações de risco, sendo a protagonista na tentativa de soluciona-las sem quaisquer recursos materiais. Apenas conhecimento técnico, cooperação do público envolvido e criatividade. Subi e desci muitas encostas debaixo de chuva intensa, segurando no capim, mas entendia que cada atendimento que realizava, significava um acidente potencialmente fatal que seria evitado. Bons tempos em que a caminhonete do plantonista não tinha ar condicionado – apenas o ventilador do carro -, e que as meias que eu usava eram torcidas e colocadas pra “secar” entre uma vistoria e outra… Atendimentos durante a madrugada? Sempre tive a convicção de ter um Anjo da Guarda muito companheiro!! Vistorias nas madrugadas, em áreas em que o rádio comunicador ou o BIP (lembram de BIP??) não tinham sinal. Era com a cara e a coragem mesmo! Prevalecia a vontade de estar sendo uma agente de mitigação de riscos e preservação de vidas.
As experiências na CODESAL me fizeram aguçar o olhar para as patologias construtivas e também para a precariedade da oferta de orientação técnica à população de baixa renda, que, muitas vezes, no afã de criar uma condição segura para seu imóvel e família, gastava todos os recursos e construía de forma incorreta. Na primeira chuvarada, descia talude, muro e ainda atingia a casa, algumas vezes vitimando pessoas. Vistorias em imóveis deteriorados, principalmente no Centro Histórico de Salvador, eram frequentes. Algumas vezes, os desabamentos faziam-se inevitáveis e os desabrigados – que saiam com a roupa do corpo e sem terem pra onde ir -, davam a lição da fragilidade do pretenso TER que muitos por aí alardeiam. Pessoas em situação absolutamente precária, cujo barraco desabara, sofrera com alagamentos ou deslizamentos de terra, eram resgatadas pela equipe do Serviço Social da CODESAL, após o atendimento da Engenharia. Ver o sofrimento e a perda de referências de uma Vida, era dramático.
Mas o trabalho na CODESAL não abrangia apenas as áreas de risco durante as chuvas. Planos de Contingências para eventos de concentração de público, tais como Carnaval, Réveillon e outras festas populares, além de fiscalização das condições de risco antes e durante tais eventos, faziam parte das atividades dos técnicos daquele órgão, tornando as rotinas bastante ecléticas.
Após a CODESAL, passei outros cinco anos na SUCOM, atual SEDUR, realizando vistorias de Habite-se e, em seguida, passando a ser analista de projetos de empreendimentos e analista de projetos de segurança contra incêndio, cuja legislação, análise e fiscalização eram da competência do Município até 2015, quando o Corpo de Bombeiros Militar da Bahia assumiu tal prerrogativa.
A partir de 2010, iniciei minha trajetória como empresária, tendo como foco principal a atuação com projetos de arquitetura , de segurança contra incêndio e as inspeções prediais. Na ocasião, não havia normativo específico para as inspeções prediais e criei uma metodologia própria, baseada nas pesquisas junto ao IBAPE (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia), do qual hoje faço parte.
Em 2021, encerrei a empresa. Continuo como profissional autônoma, tendo na bagagem experiências amplas e diversificadas, agora num ritmo mas suave, atuando em perícias e vistorias técnicas.
E assim caminhei nesses 40 anos de vida profissional, com orgulho, dedicação, melhoria contínua e buscando oferecer meu conhecimento em prol da sociedade.
DB
Você precisa fazer login para comentar.